Primeiro pecado: ensino marítimo

Como em todas as nações, o setor do transporte marítimo apresenta virtudes e pecados. Portugal não é exceção. O ensino marítimo nacional é o primeiro pecado.

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Se desejamos a mudança para melhor, importa conhecer os nossos pontos fracos. Virar a cara para o lado, assobiar ou fingir que não vemos o elefante na sala, não são opções.

🔥 ENSINO MARÍTIMO EM PORTUGAL

O ensino marítimo é um excelente ponto de partida para iniciar uma surpreendente viagem por quatro pecados marítimos nacionais. A formação de recursos humanos para a área marítima, adequada e em quantidade e qualidade, constitui um pilar fundamental em qualquer estratégia de desenvolvimento da economia do mar. O que estamos a fazer em Portugal?

De acordo com informação publicada na sua plataforma online, “(…) A DGRM é a entidade competente para homologar os cursos de formação profissional dos marítimos e emitir os certificados profissionais dos marítimos”. Neste contexto, publicita a lista das Entidades Formadoras dos Marítimos Acreditadas para a atividade de formação e ensino marítimo, que copiamos de seguida:

  • Centro de Formação Profissional das Pescas e do Mar (FOR-MAR);

  • Escola Superior Náutica Infante D. Henrique (ENIDH);

  • Instituto Profissional de Transportes e Logística da Madeira (IPTL);

  • Instituto de Tecnologias Náuticas (ITN).

Vale a pena caracterizar alguns aspetos relevantes sobre as entidades referidas.

Centro de Formação Profissional das Pescas e do Mar (FOR-MAR)

O FOR-MAR foi criado em 2008 por protocolo celebrado entre o Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) e a Direcção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos (DGRM), enquadrado no regime previsto no Decreto-Lei nº 165/85. A Portaria nº 311/2008 homologa o protocolo que cria o Centro de Formação Profissional das Pescas e do Mar.

O FOR-MAR é um organismo dotado de personalidade jurídica de direito público, sem fins lucrativos, com autonomia administrativa e financeira e património próprio. Tem como principal atribuição a promoção de atividades de formação profissional, para a valorização dos recursos humanos dos sectores ligados às atividades marítimas. No seu portfolio estão incluídos vários cursos de formação no âmbito da Convenção e Código STCW.

A atividade do FOR-MAR é desenvolvida nos seus 12 polos distribuídos por todo o país, sendo as suas ações de formação subsidiadas por fundos públicos, o que os torna altamente concorrenciais no mercado nacional.

No entanto existe forte limitação no número de cursos realizados em cada ano, verificando-se longas listas de espera de alunos que desmotivam e procuram outras oportunidades de carreira.

A sua política de comunicação também não é muito feliz. Por exemplo, a sua plataforma online está em “manutenção” desde 1 de agosto 2020, não oferecendo quaisquer conteúdos a visitantes. A mensagem online indica um prazo para a disponibilização de conteúdos, mas a mesma tem vindo a ser sucessivamente adiada, sem qualquer explicação, revelando um grande afastamento do seu público-alvo.

Escola Superior Náutica Infante D. Henrique (ENIDH)

Desconhecida por muitos, ignorada por tantos. De acordo com informação publicada na plataforma online da Direção-Geral do Ensino Superior (DGES), em 2020 não existiram candidaturas suficientes de alunos para ocupar as vagas, em alguns cursos para oficiais da marinha mercante.

Estão nesta situação o curso de Engenharia de Máquinas Marítimas, que abriu 56 vagas tendo sido ocupadas apenas 20; e o curso de Engenharia Eletrotécnica Marítima que abriu 30 vagas tendo sido ocupadas apenas 6. Apenas o curso de Pilotagem atingiu os objetivos previstos, tendo sido abertas 31 vagas que foram ocupadas na totalidade.

Apesar das carreiras de oficiais da marinha mercante a bordo de navios oferecerem carreiras internacionais bem remuneradas, aparentemente não existe interesse dos portugueses em estudar na ENIDH, optando por outros cursos em diferentes instituições de ensino.

Por outro lado, muitos jovens não optam por esta via por falta de conhecimento, desconhecendo a existência desta instituição de ensino.

Finalmente, muitos portugueses preferem fazer as malas e optam pelo ensino marítimo no Reino Unido, sabendo que os cursos são reconhecidos em todo o mundo e que têm empregabilidade imediata.

Instituto de Tecnologias Náuticas (ITN)

Esta instituição de ensino atravessa momento difíceis, sendo do conhecimento geral que enfrentou dificuldades financeiras extremas, que levaram ao não pagamento de remunerações aos seus colaboradores durante o ano de 2019.

Esta situação chegou mesmo à Assembleia da República, tendo sido apresentada uma solicitação de “Esclarecimentos sobre a situação laboral no ITN – Instituto de Tecnologias Náuticas”, cujo documento transcrevemos parcialmente:

“(…) De acordo com a informação institucional apresentada na sua plataforma on-line. A AEMAR —Associação de Estudos e Ensino para o Mar, é uma associação sem fins lucrativos, sendo proprietária do ITN — Instituto de Tecnologias Náuticas, Escola Profissional a nível nacional do setor dos Transportes Marítimos. manutenção de navios de comércio e náutica de recreio. Esta Associação AEMAR/ITN, foi criada em 1991, e apresenta como ofertas formativas Cursos Profissionais de Nível 4, Cursos de Educação e Formação de Nível 2 e Cursos de Qualificação — STCW (International Convention on Standards of Training, Certification and Watchkeeping for Seafarers), com certificação da Direcção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos (DGRM).

A AEMAR tem beneficiado de apoios no âmbito do Programa Operacional Regional de Lisboa 2014/2020 (Lisboa2020), com a aprovação de quatro projetos (LISBOA-07-5266-FSE-000079, LISBOA-07-5571-FSE-000005, LISBOA-07-5571-FSE-000036. LISBOA-07-5571-FSE-000049) a que se associa um fundo total aprovado de 1 118 788 euros, com dois desses projetos a prolongarem-se até 31 de Agosto de 2019.

Sendo a AEMAR/ITN, uma das únicas três entidades formadoras existentes em Portugal Continental, devidamente credenciadas pela DGRM, cujos cursos reconhecidos conferem aos mais variados níveis a designada "certificação STCW' foi com preocupação que o Grupo parlamentar do PCP tomou conhecimento da situação de salários em atraso existente nesta entidade.

De acordo com a informação enviada ao Grupo Parlamentar do PCP, em 03 de novembro de 2019, estariam em falta os pagamentos do subsídio de férias de 2019, do vencimento de Agosto de 2019, o vencimento de Setembro de 2019 e o respetivo subsídio de refeição e ainda o vencimento de Outubro de 2019 e o respetivo subsídio de refeição.

Para além do cenário de salários em atraso verifica-se a total ausência de informação por parte dos órgãos diretivos desta entidade formadora quanto à situação e continuidade da instituição, o que se traduz numa inaceitável incerteza laboral para os trabalhadores e utentes do ITN. A manutenção desta situação pode pôr em causa a prestação da formação aos alunos que se encontram já a receber formação, comprometendo o seu futuro.”

🔥 SINDICATOS DO MAR

Não deixa de ser importante mencionar que os atuais principais membros da direção da AEMAR/ITN são figuras principais de alguns sindicatos do mar. E que os sócios fundadores da AEMAR são todos eles sindicatos do mar nacionais. Fica aberta a porta para o segundo pecado: sindicatos do mar.

Este tema é rico e surpreendente, merecendo leitura atenta.

LEITURA RECOMENDADA

Segundo pecado: sindicatos marítimos


ATUALIZAÇÃO 3 dezembro 2020

No dia 3 de dezembro de 2020, o For-Mar atualizou finalmente a sua plataforma online, iniciativa que a Apormar felicita e que todos os marítimos agradecem. Vivemos quatro meses (de agosto a novembro) com uma plataforma em manutenção como se recorda abaixo.

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A informação agora acessível é valiosa e útil, apoiando as carreiras dos atuais e futuros marítimos. Bem-vindo de novo For-Mar!

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ATUALIZAÇÃO 7 dezembro 2020

Publicamos de seguida o texto elaborado pela Direção do For-Mar, comentando o artigo “Primeiro pecado: ensino marítimo”. O referido texto foi remetido e recebido pela Apormar no dia 7 de dezembro.

“Na sequência da recente publicação no Blogue da APORMAR sobre os “pecados do mar”, em que numa primeira análise se debruça sobre o ensino marítimo em Portugal, vem o FOR-MAR por este meio esclarecer alguns pontos desta análise:

1.       “Política de comunicação que não é feliz”

O  FOR-MAR tem o website em produção, mas efetivamente esteve algum tempo sem estar disponível por problemas técnicos. Conscientes das repercussões na imagem do FOR-MAR, reforçámos a divulgação através do Facebook – central e regionais –, Moodle do FOR-MAR e comunicação por correio eletrónico e telefónico, tentando assim minimizar os constrangimentos de não termos o website ativo.

O novo sítio na internet permite novas funcionalidades de interação com os utentes, designadamente inscrições online e uma integração com as plataformas de gestão da formação que permitirá dar uma resposta mais eficaz na promoção dos cursos e na satisfação das necessidades de quem nos procura.

2.       “No entanto existe forte limitação no número de cursos realizados em cada ano, verificando-se longas listas de espera de alunos que desmotivam e procuram outras oportunidades de carreira”

O FOR-MAR, enquanto entidade pública de formação, tem ao longo dos últimos anos ministrado cerca de 300-400 ações de formação por ano, envolvendo cerca de 5 mil formandos por ano. Este ano, face à situação pandémica, tal como aconteceu com outras entidades, viu-se forçado a suspender a formação presencial em março, iniciando logo em abril formação profissional na modalidade de ensino a distância. Desde abril até à presente data, realizou já cerca de 80 ações de formação, grande parte destinadas aos profissionais marítimos. Em junho retomou a formação presencial, iniciou cursos de formação em sistema b-learning na área marítima, apresentando os seguintes indicadores até à presente data:

nº de ações – 392

nº de formandos: 4900

Consideramos que, pese embora as restrições decorrentes das normas e planos de contingência face à COVID 19, conseguimos manter a nossa atividade em execução, dando uma resposta eficaz aos nossos utentes. Esta situação tem sido reconhecida por entidades e parceiros externos, bem como pelos nossos formandos.

Os constrangimentos da atividade marítima e do acesso aos cursos para as novas categorias profissionais ao abrigo do decreto lei 166/2019 não são da responsabilidade do FOR-MAR. O FOR-MAR tem tido um papel crucial no apoio aos seus utentes sobre a nova legislação marítima, quer no atendimento personalizado quer através da promoção de várias reuniões/encontros com os seus ex-formandos de forma a ajudá-los na sua integração e progressão nas novas categorias profissionais marítimas. Não sendo esta uma competência direta do FOR-MAR, é nossa política prestarmos estes serviços à comunidade marítima num espirito de entreajuda e de cooperação. Talvez estas atividades não tenham tido a visibilidade necessária para o exterior, mas os nossos utentes, ex-formandos e empresas/associações do setor conhecem as nossas iniciativas e reconhecem o nosso papel sobre esta matéria.

Quanto às “longas listas de espera de alunos que se desmotivam…”, informamos o seguinte:

- Esta afirmação não está fundamentada em informação fiável e rigorosa, tendo em conta a abrangência de atuação efetiva do FOR-MAR. Recordamos que o FOR-MAR tem 12 polos ao longo do país e que a informação veiculada não se pode cingir apenas à realidade de um polo ou de um outro aspeto em particular. Desconhecemos qual a origem da fonte desta informação, e esclarecemos o seguinte:

Inscrições em cursos de iniciação e progressão na área marítima

a)       Com exceção dos Polo de Lisboa, Setúbal e Ílhavo, o número de inscritos em cursos de iniciação na carreira marítima nos restantes Polos é inferior a 12 inscrições, grande parte inferior a 8 inscrições, o que não permite iniciar ações. 

b)      Nos Polos de Ílhavo e Setúbal, embora o nº de inscrições seja superior a 12, quando se contactam os inscritos para iniciar ações de formação, não há disponibilidade de grande parte deles para iniciar ações, mas mantêm a sua vontade de permanecer com a sua inscrição ativa.

c)       No Polo de Lisboa há efetivamente um número mais elevado de inscrições para acesso às categorias de Pescador, Marinheiro de 2ª classe do Tráfego Local e Marinheiro de 2ª classe, mas que por força dos constrangimentos dos espaços e equipamentos do Polo e outros alugados por causa da necessidade de distanciamento, não é possível realizar o número de ações desejável. De referir também que Lisboa tem um número elevado de inscrições pelo facto de muitos dos inscritos já terem sido contactados uma, duas ou três vezes para integrar cursos e que por indisponibilidade, pretendem manter a sua inscrição ativa, que é atualizada, sempre que não têm disponibilidade para frequentar a ação de formação.

d)      Nos cursos de progressão marítima, existe apenas um número de inscritos superior a 12 inscritos no curso de Contramestre Pescador no polo de Póvoa do Varzim, mas que face à indisponibilidade dos inscritos não tem sido possível constituir uma turma com um mínimo de 10 formandos.

A gestão das inscrições no FOR-MAR tem sido otimizada ao longo dos anos, mas tem sido a nossa política mantermos as inscrições dos potenciais formandos que continuam a manifestar interesse em frequentar os nossos cursos, mesmo quando não têm disponibilidade, uma vez que não tínhamos ainda criada a possibilidade de ter inscrições online, e também porque os profissionais marítimos que andam embarcados nos pedem para mantermos as suas inscrições, para poderem ser contactados, ao invés de serem eles a contactar o FOR-MAR.

De salientar que em 2020 e após a retoma da formação não pudemos iniciar algumas ações de formação, uma vez que não era possível terminá-las até dezembro de 2020, por força dos prazos descritos na circular da DGRM sobre a prorrogação do prazo da realização de cursos com base no anterior decreto lei.

Inscrições em cursos STCW

Durante o ano de 2020 e considerando ainda as restrições face à situação pandémica que se repercutem principalmente na utilização dos espaços em sessões práticas (Bombeiros e Embarcações) no curso de Segurança Básica, o FOR-MAR ministrou até este momento:

a) 76 ações de Segurança Básica, das quais 38 em Matosinhos, 5 na Figueira da Foz, 15 em Lisboa, 7 na Nazaré e 11 em Olhão, que envolveram 823 formandos.

Ministrou ainda:

b) 7 ações de Atualização em Segurança Básica, que envolveu 62 formandos;

c) 11 ações de Controlo de Multidões e Segurança para Pessoal que Presta Assistência Direta aos Passageiros nos Locais Reservados aos Passageiros (CM), que envolveu 125 formandos;

d) 14 ações de Exercício de Funções Específicas de Proteção (EFEP), que envolveu 141 formandos.

O FOR-MAR em 2020 publicitou um calendário com datas fixas de ações STCW, que cumpriu, independentemente do nº de formandos que se inscreveram, garantindo que todos os meses tinha ações STCW a decorrer em todos os polos certificados. Para além destas ações, ministrou muitas mais ações STCW, tendo em conta o número de inscritos e as restrições ao nível dos espaços e equipamentos. A média da frequência dos formandos por turma é de 11 formandos.

Quanto ao nº de inscritos nestas ações:

a)       Os Polos de Matosinhos, Lisboa e Olhão apresentam um número superior a 12, estando o FOR-MAR a desenvolver as suas ações sempre que possível, tendo em conta as restrições nos espaços e nos equipamentos. Nos Polos de Nazaré e Figueira da Foz o número de inscritos é inferior a 12.

b)      Apenas no Polo de Lisboa existem inscrições suficientes para iniciar um curso de CM e outro curso de EFEP. Nos restantes Polos não existem inscrições suficientes nestes cursos.

Face ao exposto, solicitamos que a informação veiculada possa ser revista e publicitada.

Reiteramos a nossa total disponibilidade para darmos toda a informação necessária que julgue pertinente para publicitação no blogue ou outros meios de comunicação da APORMAR.

O FOR-MAR não é imune a críticas ou “pecados”.

O FOR-MAR, como qualquer entidade, tem os seus pontos fortes e os seus pontos fracos, mas aposta na melhoria permanente dos seus serviços.

O FOR-MAR está sempre disponível para dialogar com todas as Partes Interessadas, em benefício do setor e dos seus utentes.”

Fim de comunicação.